A influência da cultura afro brasileira na aula de música: relato de experiência em uma escola estadual
Licenciatura em Música – FAALC
ALMEIDA, S. N.
SOUZA, O. A.
Palavras-chave
Educação musical; Intolerância; cultura afro brasileira
O subprojeto Música – PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) do curso de Licenciatura em Música da UFMS incentiva a prática docente para os bolsistas participantes, fazendo dessa prática uma grande oportunidade de se obter vivências e conhecimentos sobre a realidade do ensino público brasileiro e das diversas problemáticas que consiste nosso sistema tanto educacional quanto social. Visando valorizar a prática musical em conjunto, o grupo PIBID desenvolveu estudos e pesquisas juntamente com seus bolsistas, sobre a relação dos ritmos africanos na música popular brasileira, com o objetivo de levar esses conhecimentos para a sala de aula. Diante disso, algumas atividades foram criadas e aplicadas junto aos alunos do ensino fundamental ll na Escola Estadual Maria Eliza Bocayúva, localizada na capital do estado. Durante a aula foi explicado sobre as diferenças dos ritmos como o samba, maculelê, samba reggae, afoxé, maracatu e funk, associando com as músicas popularmente mais conhecidas pelos alunos.
Após uma breve explicação teórica e histórica da origem dos ritmos africanos e seus instrumentos, foi oferecida uma atividade para todos da sala, para melhor associação do conteúdo com a prática musical. A sala se dividiu em 3 grupos para trabalhar o ritmo maculelê, os meninos ficaram responsáveis pela interpretação do ritmo, usando palmas ou qualquer parte do corpo que reproduzisse som, enquanto as meninas ficaram responsáveis pela parte melódica. A música trabalhada foi a Oro Mi Maió do compositor Bantos Iguape, com o refrão na língua Yorubá, (idioma mais usado nos diversos países ao sul do Saara).
Mesmo não adentrando o universo da religião e focando apenas nas práticas musicais, observamos ao aplicar a atividade em sala de aula do 8º A, que alguns alunos demonstraram certa resistência e desconforto com a proposta apresentada, ao questionar alguns destes mesmos alunos, obtivemos algumas respostas, dentre elas que, por conta das crenças que cultuam, eles não teriam permissão para participar da atividade apresentada em sala ou que os pais proíbem contato com essas práticas. Outros alunos durante a aula apresentaram falas preconceituosas em relação aos ritmos trabalhados, atribuindo “brincadeiras” usando apelidos como “macumbeiro/a”, “mandingueiro/a” destinando a quem cultua esse ritmo. Também demonstraram desconhecimento histórico da relação entre cultura afro-brasileira e a música atualmente consumida por eles mesmos como por exemplo, o funk carioca, que são inúmeras variações eletrônicas oriundas do maculelê, ritmo usado em algumas religiões afro-brasileiras. Mesmo diante de todas os esclarecimentos passados a eles durante a aula, e ao explicar sobre o que eles entendem dos mesmos, a definição era sempre pautada em estereótipos culturais e religiosos pré concebidos por um imaginário construído socialmente Goffman (1988).
A partir dessas concepções de música boa e música ruim é que adentramos o universo do preconceito cultural existente em todo país. A educação musical é uma porta para uma dimensão mais ampla no que diz respeito ao gosto musical, fazendo com o que a relação entre um grupo social e outro fique mais estreito. A música deve vir em função de seu significado no processo de humanização do indivíduo. A linguagem musical tem um forte laço com vários códigos e valores que constituem diferentes identidades sociais e quando essa linguagem é transmitida de maneira correta, ela tem por objetivo atuar como uma “imersão cultural”, onde os alunos terão acesso a um conhecimento musical menos estereotipado com os valores, as crenças e os ritos ligados a ela. Nesse sentido a música dentro da escola, deve desconstruir pré- conceitos, tornando essas práticas musicais usualmente marginalizadas, em práticas respeitadas e devidamente inseridas no currículo escolar. Para Geertz (1989) a música deve criar vínculo com a realidade dos alunos, e ir além dos estudos técnicos e teóricos, pois os mesmos já chegam na escola com sua carga de opiniões formadas, pautadas em suas vivências musicais próprias. A educação nesse contexto, e claro a atuação do professor em sala, pode proporcionar uma transformação nesses discursos. Trabalhar a diversidade, a tolerância e respeito como valores básicos para criar um ambiente musical dentro da escola, que realmente agregue conhecimento para os alunos.
Consideramos positiva e importante a experiência vivida ao aplicar o plano de aula nas salas do 6º ao 9º ano, a aula executada em ambas as salas, boa parte dos alunos, participaram das atividades musicais propostas, apesar da resistência inicial. Foi observado também que muitos deles reconheceram os ritmos, demonstrando um nível de percepção e identificação. Foi um aprendizado importante, pois é o único momento onde podemos colocar em prática os planos elaborados e vivenciar de fato, o que está em uma sala de aula, a relação com alunos, com o professor, é tudo inesperado e novo. A reflexão gerada a partir das respostas e manifestações preconceituosas de alguns alunos nos levou a investigar o tema e a considerar as questões relacionadas à identidade musical como importantes oportunidades de aprendizagem musical e didática, tanto para os estudantes envolvidos, quanto para nós, professoras em formação.
É importante que um educador musical tenha a consciência da diversidade dos gostos musicais existentes em todo o mundo, assim como no universo particular de cada aluno e acima de tudo, respeitá-las. Para uma relação sem preconceitos, é preciso não hierarquizar nenhuma prática, seja musical, religiosa ou social. Cada cultura tem suas práticas musicais carregadas de valores, apenas aqueles que a vivenciam o preconceito é que sentem o quanto machuca ter sua cultura desrespeitada. A educação musical deve vir como instrumento de conhecimento e apreciação das práticas musicais de diversos contextos, principalmente daquelas que não conhecemos.
Referências Bibliográficas
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. 1 ed. Rio de Janeiro: LTC-GEN, 2008.
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ªed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1988.
RIBAS, M. G. Co-educação musical entre gerações. In: SOUZA, Jusamara (Org). Aprender e ensinar música no cotidiano. Porto Alegre: Sulinas, 2008.