A geografia dos sabores em sala de aula – construindo um caderno de receitas

Geografia – CPAN

DOURADO, D. C. da C. G. A.

FERREIRA, D. M. C. P.

ARRUDA, S. de O. de

RODRIGUES, A. de L.

Palavras-chave

Ensino de Geografia; Sabores geográficos; receitas

Introdução

Os reflexos da Revolução Industrial fizeram-se perceber pelas transformações nos aspectos geográficos, econômicos, políticos e culturais, expressiva mistura de sabores entre os povos envolvidos nos movimentos migratórios. Com este trabalho pretende-se demonstrar a influência dos sabores geográficos na formação do espaço geográfico e, mais especificamente, dos imigrantes que escolheram a região Centro-Oeste do Brasil, com foco principal na herança alimentar e sua produção introduzidas pelos estrangeiros na mesa do povo corumbaense.

Para isso, pesquisou-se a variedade de alimentos asiáticos consumidos diariamente pelos habitantes de Corumbá cuja produção já acontece em território brasileiro.

            Através de debates e exposição de imagens e vídeos em sala de aula na Escola Municipal Barão do Rio Branco, em Corumbá, turma do 9º ano, do Ensino Fundamental II, procurou-se estabelecer o nível de conhecimento e de envolvimento dos alunos quanto à utilização de sabores e temperos de origem asiática, em suas residências, no seu dia a dia.  Procura-se, assim, levar aos alunos uma conscientização sobre a origem e a produção dos sabores alimentares em nossa região e os fatores que influenciaram a adoção de consumo de novos alimentos estrangeiros pela população local.

A escolha da Ásia como continente para se estudar os seus sabores e o comportamento alimentar deu-se por ser o conteúdo no qual os alunos, focos da pesquisa, estavam estudando.

Os sabores da Ásia como expressão geográfica se mostram através dos valores culturais e são percebidos pela comunidade local. Esses sabores trazidos pelos imigrantes com suas tradições, costumes, constituem uma relação muito particular com suas origem, pois o gosto e cheiro remetem ao passado vivenciado e às emoções vividas em determinada paisagem, lugar e no tempo experimentado e guardado na memória.

Dentre os objetivos e, após os debates e exposições sobre a influência dos sabores geográficos vindos da Ásia, e como resultado final das pesquisas, propôs-se a confecção de um caderno de receitas no qual constasse a herança dos sabores geográficos existentes na cultura e costumes no ambiente familiar dos alunos.

Geografia dos sabores e a construção de um caderno de receitas.

As grandes navegações realizadas nos séculos XV e XVI foram os maiores fatores que proporcionaram condições para aproximação entre a Europa, América e a Ásia.

Posteriormente, como um dos reflexos da Revolução Industrial do século XIX, alteram-se as concepções econômicas com repercussão em todo o mundo de então, com todas as características da Revolução Industrial pela maior rapidez nos processo de produção, pelo desenvolvimento de novas tecnologias e visão capitalista acentuada.

Assim, os reflexos da Revolução Industrial fizeram-se perceber pelas transformações nos aspectos geográficos, econômicos, políticos e culturais, operando, ainda, expressiva mistura de sabores entre os povos envolvidos nos movimentos migratórios.

Na concepção de Gratão e Marandola Junior (2011, p.1), ao fazerem referência às “consequências e as implicações de uma geografia do sabor”, afirmam que, “Pensar a relação geografia e sabor implica a compreensão da existência experiencial e cultural humana, expressa pela geograficidade: expressão e significado do envolvimento homem-meio.”

O sabor da geografia é extensiva aos mais diversos grupos culturais existentes em determinada região, na medida em que esses sabores se conformam, se adaptam aos costumes gastronômicos locais. Assim, para Gratão (2009b apud GRATÃO, e MARANDOLA JR, 2011,p,6)

Da experiência espacial existencialmente significada, o sabor da geografia se estende aos grupos culturais, conformando na paisagem uma forma própria de habitar o mundo. Enquanto expressão da identidade cultural, o sabor é um sentido essencial para se compreender as tradições culturais, sendo um caminho que leva à conservação e preservação do ambiente.

 

Como no texto base: “Preservar os gostos significa preservar o sabor, implicando também a preservação de valores e sentidos. Estaríamos falando de uma geografia pela apreciação e exploração do sabor ligado à paisagem e ao lugar” (GRATÃO;MARANDOLA Jr, 2011, p,7).

Pelo estudo da história de Mato Grosso do Sul verifica-se que, há semelhanças com o processo de colonização e de ocupação territorial do Brasil, diante da necessidade de povoamento do vasto território brasileiro. A grande área territorial do País, ocupada, inicialmente, apenas pelos habitantes indígenas, atraiu o interesse de migrantes de todas as partes, de todas as raças e nacionalidades que enriqueceram a cultura e os costumes da nova população que se formava pela miscigenação entre os que aqui aportaram.

Esses povos de outros continentes ao estabelecerem-se no atual Estado de Mato Grosso do Sul são apontados como os responsáveis pela formação de modo geral do povo sul-mato-grossense, inclusive, nos seus aspectos étnicos, na fundação de cidades com suas características peculiares e na forte influência exercida quanto à cultura e gastronomia.

Todo esse processo verificado ao longo da história de nosso Estado, desde a sua formação, é esclarecido nas colocações de Gratão e Marandola Júnior (2011, p.6), sobre o sabor da geografia e sua conformação na paisagem ao imprimir uma forma ‘própria do habitar o mundo’,

Da experiência espacial existencialmente significada, o sabor da geografia se estende aos grupos culturais, conformando na paisagem uma forma própria de habitar o mundo. Enquanto expressão da identidade cultural, o sabor é um sentido essencial para se compreender as tradições culturais, sendo um caminho que leva à conservação e preservação do ambiente (GRATÃO, 2009b, apud GRATÃO e MARANDOLA JR,2011,p.6)

 

É notável a influência gastronômica em Corumbá, dos indígenas, paraguaios, bolivianos, portugueses, cuiabanos e, também, dos asiáticos como: libaneses, sírios e palestinos. Mais especificamente aos asiáticos, esses chegaram à nossa região, tendo como motivação as questões das guerras em seus respectivos países de origem e, também, por questões econômicas.

Os sírios, libaneses, palestinos e demais asiáticos que permaneceram na região de Corumbá fizeram despertar na população local o sabor pela gastronomia árabe, prova inconteste da integração mútua dos povos que se mesclaram e fundiram-se. Portanto, a culinária árabe, embora muitas vezes com certas especificidades e alterações locais, foi incorporada com sucesso ao bom gosto sul-mato-grossense. Podemos encontrar, inclusive nas feiras livres em Corumbá, produtos da culinária árabe como o quibe, esfirras e especiarias como canela, gengibre, açafrão, pimenta do reino, entre outros.

Portanto, a chegada dos sírios, libaneses e de outros grupos de migrantes, inclusive vindos dos mais diversos estados brasileiros, trouxe para nossa região inestimável diversidade de hábitos alimentares, que se fundiu com a existente cozinha sul-mato-grossense e em consequência, verifica-se que, “os alimentos tradicionais da culinária cotidiana recebem inovações gastronômicas por meio de tecnologias, de misturas com sabores de outros locais e da popularização de novas receitas.” (PASQUOTTO, MARIANI, SORIO E ARRUDA, 2010, p.6)

Assim, a cultura gastronômica da região é mantida ou perpetuada pela prática de todas essas culturas adotadas e fundidas que enriquecem os costumes alimentares locais, pois, a maneira de realizar constantemente “constância de determinados hábitos alimentares nas práticas da gastronomia acaba por criar ‘cozinhas regionais’. E, através das características utilizadas por elas no preparo, são formados os “pratos típicos”, que se tornam símbolos locais” (GIMENES, 2006, p.4 apud PASQUOTTO, MARIANI, SORIO E ARRUDA, 2010, p.6)

Como objetivos específicos, elaboraram-se debates em sala de aula, com exposição de imagens e vídeo.  Levou para sala de aula algumas especiarias – canela, noz-moscada e cardamomo, e apresentou-as aos presentes que, pelas explicações da orientadora ‘pibidiana’ passaram a perceber com mais clareza a importância dos hábitos alimentares como um fator relevante da identidade cultural asiática e, também, identificando os hábitos alimentares do Corumbaense, de alunos de outras regiões.

Diante da riqueza e diversidade dos hábitos alimentares e dos sabores geográficos existentes na região, como fruto da miscigenação e da adoção dos mais variados ‘pratos’ das culturas aqui existentes, foi proposto em sala de aula que os alunos se manifestassem quanto à sua percepção e preferências gastronômicas relativas aos alimentos consumidos em datas comemorativas, em Corumbá e em suas cidades de origem.

            Com a intenção de alcançar os objetivos traçados, a metodologia utilizada foi através de pesquisas na internet sobre a culinária corumbaense, e a influência de ingredientes asiáticos em seu preparo. Ao mesmo tempo e em sala de aula realizaram-se debates sobre o assunto, mostrando que os alimentos possuem marcas culturais. Por exemplo, muitas famílias têm ‘pratos’ que fazem parte de sua tradição. A alimentação espelha nosso modo de vida. Famílias que vêm de outras regiões ou de outros países trazem na alimentação as marcas de sua origem.

Primeiramente, foi perguntado aos alunos sobre quais os tipos de comida asiática eles consumiam, em Corumbá. De imediato, alguns deles não souberam dizer se o alimento consumido era de origem asiática ou não. Após explicação, eles puderam manifestar-se com maior segurança e disseram conhecer o ‘quibe’, ‘esfirra’, ‘sushi’, entre outros.

Ainda em sala de aula, lhes foi perguntando quais os demais ‘pratos’ eles apreciavam e que eram consumidos em datas comemorativas locais, em suas residências com suas famílias. Como resposta, os alunos diziam suas preferências como sendo, lasanha, churrasco, sarrabulho, arroz boliviano, saltenha, etc.

Em seguida, apresentou-se, através de ‘slides’, alguns produtos de origem árabe, como o quibe, o tabule, a cafta e especiarias como canela, gengibre, açafrão, pimenta do reino, entre outros, sabores e temperos da cozinha asiática. Na exibição, foi-lhes demonstrado a origem e a diversidade dos vários sabores e temperos de origem estrangeira, consumidos e produzidos, em sua maioria, no Brasil e que hoje estão integrados completamente à cozinha dos brasileiros. Embora, na maioria das vezes esses sabores e temperos sejam consumidos sem que as pessoas tenham a mínima ideia de onde eles vieram ou em que circunstâncias foram por nós adotados.

Foi realizada a exposição de um vídeo sobre imigrantes sírios e libaneses radicados no Brasil e a sua influência no quesito sabores geográficos adotados pelos brasileiros, nos lares e nos restaurantes nas mais diversas regiões do país. Cada um dos países do continente asiático possui uma gastronomia rica, complexa e cheia de detalhes e peculiaridades.

Para finalizar o trabalho, foi solicitado aos alunos que trouxessem 1 (uma) receita preparada em sua casa, pela família, em datas comemorativas, como expressão relevante de significado. Como exemplo, sugeriram-se alimentos consumidos por ocasião das festas Natalinas, Ano Novo e Semana Santa. Esses pratos deveriam ser os preferidos pelos alunos e, também, que trouxessem por escrito comentário sobre a origem e produção dos mesmos e dos ingredientes utilizados em sua elaboração.

Na aula seguinte e, como solicitado, os alunos trouxeram as receitas que mais gostam e que suas famílias saboreiam em festas comemorativas. Nessa fase do trabalho, foi observado entre as duas salas 9º “a” e 9º “b”, que, alguns alunos fizeram conforme solicitado: Apresentaram os ingredientes, o passo a passo da receita, a origem e a produção dos ingredientes no espaço geográfico. Outros alunos, porém, apresentaram apenas as receitas e não teceram nenhum comentário a respeito das mesmas.

Conclusão

Grande parte dos alunos demonstrou não ter conhecimento da origem dos alimentos consumidos, até a exposição e explanação sobre os sabores da Ásia existentes em nosso País. Ampliando-se esse conhecimento, inclusive, aos temperos encontrados em feiras livres, nos super mercados e, também, nos seus respectivos lares.

Em relação às receitas trazidas pelos alunos foram as referentes às festas comemorativas, religiosas ou não, realizadas em nosso Estado. Porém, alguns referiram-se a outros sabores, tais como, lasanha, pizza, churrasco, sarrabulho, dentre outros de sua preferência.

De modo geral, os alunos mostraram-se interessados na atividade, pois, tratava-se de assunto comum a todos. Ou seja, sabores existentes em seus lares e de cuja origem não tinham conhecimento. Porém, outros alunos não tiveram participação com maior interesse na busca de se conhecer a origem e produção dos sabores das receitas que eles mesmos trouxeram.

No entanto, ficou evidente que aproximar os conteúdos geográficos à realidade do aluno pode ser uma estratégia positiva de valorizar o conhecimento geográfico e a experiência vivida de cada um. Ao invés de trabalhar o continente asiático de forma isolada, pode-se aproximar a Ásia do Brasil, com toda a influência econômica, social e cultural no nosso país e notoriamente em diversas cidades brasileiras.

Referências Bibliográficas

GRATÃO, L.H.B & MARANDOLA JR., E. Sabor da, na e para Geografia, Geosul, Florianópolis, v. 26, n. 51, p 59-74, jan./jun.  2011 Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/2177-5230.2011v26n51p59 Acesso em 13 out. 2017

 

PASQUOTTO M. M. A ; SORIO A; ARRUDA D.O; Carne ovina, turismo e desenvolvimento local: potencialidades para o Mato Grosso do Sul, Anais do VI Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul; Disponível em <http://docs10.minhateca.com.br/638202387,BR,0,0,Texto-04—Carne-Ovina-e-Turismo-MS.pdf > INTERAÇÕES,Campo Grande, v. 12, n. 1 p. 31-39, jan./jun. 2011; Acesso em 10 out. 2017

 

LEITE, L. A. Gastronomia corumbaense, característica e aspectos históricos. Disponível> IV Simpósio Sobre Recursos naturais e Sócio-econômicos do Pantanal Corumbá-MS, 2004. Acesso em 10 out. 2017