Clássicos da Sociologia e realidade contemporânea: uma relação possível
Ciências Sociais – CPNV
GONÇALVES, A. S. P.[1]
SILVA, M. L.[2]
LOPES, D. H.[3]
Palavras-chave: PIBID; Pensadores da Sociologia; Ensino Médio.
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma atividade desenvolvida por bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí (CPNV).
Especificamente, buscamos discutir uma sequência didática para as aulas de Sociologia no primeiro ano do ensino médio, desenvolvida na Escola Estadual Presidente Médici, Naviraí/MS.
No Brasil, segundo Fraga e Lage 2012, o ensino de Sociologia na Educação Básica percorre uma trajetória de altos e baixos. Entre 1942 e 2008 a disciplina passa a fazer parte do colegial, hoje denominado de ensino médio. Contudo, sua presença não é definitiva nos parâmetros curriculares e então ocupa um papel intermitente na história da educação básica brasileira, ora presente ora ausente. Todavia, partir de 2008, a Sociologia tornou-se obrigatória em todas as séries do ensino médio.
Nesse contexto, tal área, por não ter consolidação histórica nos espaços escolares, ainda carece de recursos pedagógicos consistentes e facilitadores do processo de ensino e aprendizagem.
De acordo com o referencial disposto pelo Estado de Mato Grosso do Sul, com o primeiro ano do ensino médio, no terceiro bimestre, deve-se trabalhar as teorias dos clássicos da Sociologia (Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber).
Para tanto e tendo em vista a demanda por aulas inovadoras, desenvolvemos, então, uma sequência didática que abarcou os principais conceitos desenvolvidos por esses pensadores: Positivismo, Fatos Sociais, Capitalismo, Ações Sociais, Classes Sociais, dentre outros; na qual tentamos mediar essas teorias aos alunos, de modo a ampliar sua capacidade reflexiva, a fim de que passassem a observar a sociedade em que vivem de outro modo, com olhar mais questionador.
Referencial teórico
De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), a disciplina de Sociologia tem uma história bastante diversa de outras disciplinas do currículo do ensino médio (Geografia, História, Português, etc.), pois a mesma percorre um caminho de rupturas com a história da educação brasileira.
No entanto, o pensamento sociológico desenvolve um papel central na constituição cognitiva dos sujeitos, pois desenvolve nos estudantes uma perspectiva analítica da sociedade, permeada pelo estranhamento e desnaturalização dos fenômenos sociais.
A disciplina de Sociologia busca, por meio da observação e problematização da realidade, levar os alunos a desenvolver um olhar sociológico.
Para alcançar um processo de ensino-aprendizagem mais favorável, é preciso evitar um caráter enciclopédico e lembrar que o intuito não é formar sociólogos no ensino médio, mas permitir que os alunos tenham contato com a maneira constituída pela Sociologia para conceber a sociedade (FRAGA e LAGE, 2012, p.206)
Para isso, a disciplina exige dos alunos atenção, compreensão, um olhar questionador. Tendo em vista essa exigência, buscamos com a sequência didática elucidar para os alunos a importância de não tomar tudo como natural ou normal. O papel do olhar sociológico é justamente o contrário da análise superficial das coisas, tornando os sujeitos mais críticos. Assim,
A Sociologia como um conteúdo a ser trabalhado no interior da escola, precisa ter essa preocupação de selecionar os conteúdos culturais que são próprios de sua área, pelos quais os estudantes possam agir, assimilando conhecimentos e desenvolvendo capacidades que lhes permitam compreender o mundo em que vivem e nele se inserirem ativamente (MENDONÇA, 2011, p. 348).
Diante dessa perspectiva, o docente tem em suas mãos um trabalho desafiador, que é chamar esses adolescentes para conhecer a disciplina e descobrir as análises que ela pode lhes proporcionar. O professor cumpre um papel transformador e emancipador ímpar, ao disponibilizar as ferramentas necessárias para que os alunos se reconheçam em todos os desdobramentos sociais e possam correlacioná-los com suas concepções e conhecimento de mundo.
Historicamente a instituição escolar ficou com a responsabilidade de transmitir o conhecimento culturalmente acumulado, socializar o conhecimento aos indivíduos, por meio de recursos pedagógicos adequados de mediação da aprendizagem.
A ausência desta mediação tem tornado a escola um espaço com problemas, que contribui para o não interesse dos alunos nas disciplinas, especialmente a de Sociologia. Assim, se torna imprescindível à presença de um mediador (professor) que contribua para a desenvoltura cognitiva dos alunos e estranhamento dos fenômenos sociais.
Entende-se que esse duplo papel da Sociologia como ciência -desnaturalização e estranhamento dos fenômenos sociais – pode ser traduzido na escola básica por recortes, a que dá o nome da disciplina escolar. […] Deve haver uma adequação em termos de linguagem, objetos, temas e reconstrução da historia das Ciências Sociais para a fase de aprendizagem dos jovens […] (BRASIL, 2006, p.107).
Portanto, a sequência didática desenvolvida buscou pensar a sociedade não como algo natural e sim resultante das relações sociais, passíveis de serem analisadas de forma a desnaturalizar a sua permanência, enquanto uma construção.
Justificativa da atividade proposta
Fundamentadas em bases teóricas e nas observações em sala de aula, como pibidianas e estagiárias, identificamos a ausência de materiais pedagógicos que prendam a atenção dos alunos do ensino médio, que saiam da rotina escolar de aulas expositivas.
Assim, é significativo organizar metodologias diferenciadas e construir práticas de ensino inovadoras, sobretudo com recursos para atrair a atenção dos alunos, tornando-os protagonistas do processo de ensino e aprendizagem.
Pautada nessa realidade, a Sequência é relevante para fomentar o interesse dos alunos em conhecer os principais pensadores da Sociologia e relacionar suas teorias com a realidade que vivenciam enquanto jovens e estudantes, de maneira dinâmica e interativa.
Descrição da atividade desenvolvida
A sequência didática desenvolvida partiu da temática do bimestre, buscando uma proximidade das teorias dos autores clássicos da Sociologia com a realidade dos alunos. Estruturada em nove aulas, em que cada uma complementou a outra, a primeira teve um caráter introdutório e apresentou os principais pensadores da área. Em um conjunto de slides, com fotos e textos curtos, realizou-se uma conversa inicial, a fim de resgatar o conhecimento prévio dos jovens acerca da temática em tela. Em seguida, uma breve referência à base teórica e corrente de pensamento de Auguste Comte e o positivismo, com exemplos do cotidiano, na qual os estudantes ficaram um tanto quantos intrigados com a influência do positivismo no Brasil, já que a bandeira do nosso país tem como lema “Ordem e Progresso”.
Na segunda aula a professora começou falando do suicídio, com algumas perguntas para os estudantes, influenciando-os a pensarem os fatores que levam uma pessoa a cometer suicídio, e levou um texto jornalístico que continha alguns exemplos práticos de como esse fato social acontece. Após a leitura em conjunto do texto jornalístico, colocando em prática a leitura dos estudantes onde é notável uma defasagem, a docente iniciou as teorias de Èmile Durkheim, essa etapa foi bastante produtiva, pois os alunos começaram a constatar e a estranhar o fato de que o suicídio é algo presente há muitos séculos na sociedade e que não é natural.
Na terceira aula, com uma breve recapitulação da anterior, foi apresentando um conjunto de slides com uma breve biografia e principais conceitos de Émile Durkheim. O debate foi significativo a respeito da definição dos fatos sociais e a sociedade como um organismo vivo. Vários exemplos do dia-a-dia foram elencados para explicar os conceitos, dentre eles: o fato social como tomar banho, casamento, ir a encontros sociais, etc.
A quarta aula foi utilizada para um vídeo que trazia exemplos de ações sociais presentes no cotidiano das pessoas – ação tradicional: frequentar a igreja; ação afetiva: uma pessoa movida por sentimentos; ação movida a fins: quando uma pessoa faz algo com determinada finalidade; ação movida por valores: ser honesto – a partir de então adentraram na Sociologia de Max Weber. Os alunos iniciaram um debate sobre algumas ações sociais relacionando-as com as próprias vidas.
Na quinta aula, continuação da aula anterior, foi utilizado conjunto de slides com imagens e textos que abordavam os conceitos de relação social e formas de dominação, na qual os estudantes participaram e debateram amplamente.
Na sexta aula foi apresentada a metodologia das próximas: realização e apresentação de uma paródia (seminários). A turma foi dividida em três grupos, cada grupo foi sorteado um autor (Emile Durkheim, Max Weber, Karl Marx), sendo este o tema da paródia a ser desenvolvida. Como exemplo do que era pra ser feito eles assistiram um vídeo.
A sétima aula foi pauta da introdução da Sociologia de Karl Marx. Assistiram um vídeo e interagiram bastante com o formato e os personagens, foram indagados sobre a semelhança da realidade do vídeo com o seu dia-a-dia, logo perceberam que o personagem tem muitas coisas em comum.
Na oitava aula, dando continuidade à anterior, foi apresentado um conjunto de slides com fotos e alguns conceitos teóricos, como: ideologia, desigualdade social, classes sociais e materialismo histórico; com ampla participação e envolvimento dos estudantes no assunto.
A última aula foi para as apresentações das paródias produzidas pelos grupos. Os alunos estavam eufóricos. O primeiro grupo apresentou a paródia da música “Sua cara”, dos cantores Anitta e PablloVittar, sobre Karl Marx, a música foi bem produzida contendo os conceitos chaves do autor. O segundo grupo a apresentar trouxe a paródia da música “Paradinha”, da cantora Anitta. Nesta paródia discutiram a vida e a obra de Émile Durkheim, percebeu-se que tinham ensaiado bastante. O terceiro grupo não apresentou, alguns alunos falaram que tinham pesquisado, mas que não produziram a paródia. Em relação aos grupos que apresentaram, ficou evidente como eles pesquisaram, se dedicaram e se divertiram produzindo a paródia, demonstrando o sucesso da atividade.
Avaliação da sequência didática
Durante o planejamento sentimos grandes dificuldades, principalmente com relação a incorporar tanto conteúdo em apenas um semestre, conforme determina o referencial disposto pelo Estado de Mato Grosso do Sul. Outra barreira, foi encontrar materiais didáticos lúdicos que trabalhassem os clássicos da Sociologia de forma menos teórica e com uma linguagem mais acessível para a compreensão dos alunos.
Todavia, superadas as dificuldades iniciais, conseguimos alcançar o objetivo de proporcionar aos alunos um conhecimento teórico, divertido e descontraído, sem perder a essência do pensamento desenvolvido pelos pensadores da Sociologia.
As discussões nas reuniões do PIBID com os outros integrantes do grupo e os textos debatidos nos possibilitou formular uma sequência didática aplicável.
Em suma, notamos a participação ativa dos alunos nas atividades propostas e ficou visível a satisfação e interação destes com o conteúdo trabalhado, resultando em boas trocas e reflexões acerca dos acontecimentos ou fenômenos sociais.
Avaliação do impacto da atividade na formação inicial docente
Essa experiência foi enriquecedora para a nossa formação, não só enquanto professor, mas também enquanto indivíduo. Ter a experiência de atuar como professora é um passo importante para futuramente não ter maiores impactos negativos com o espaço escolar.
O PIBID nos proporciona ter uma ação real e intensa com a escola. Na prática, foi muito produtivo. A troca com os integrantes do grupo enriqueceu a nossa capacidade cognitiva acerca dos acontecimentos sociais e das possibilidades de problematiza-los em sala de aula. A prática colaborativa é essencial na formação inicial.
Adentrar ao ambiente de aprendizado, foi extremamente esclarecedor e construtivo. A partir das atividades realizadas, ficou perceptível o quanto a atuação do professor é múltipla, indo além do currículo convencional. Refletimos a respeito do tipo de professoras que queremos nos tornar, em quais âmbitos e meios iremos permear para poder propiciar aos alunos uma educação mais reflexiva, sempre elucidando a não naturalização dos acontecimentos sociais, um dos pilares da Sociologia.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Orientações curriculares para o ensino médio – Ciências Humanas e suas tecnologias. Secretaria de Educação Básica. V.3, Brasília, 2006.
MENDONÇA, Sueli G. de Lima. A crise de sentidos e significados na escola: a contribuição do olhar sociológico. Caderno CEDES. V. 31, n. 85, p. 341-357, 2011.
FRAGA, Alexandre B.; LAGE, Giselle C. Tornando os alunos pesquisadores: o recurso da pesquisa nas aulas de sociologia. In: HANFAS, Anila; MAÇAIARA, Julia Polessa (orgs.) Dilemas e perspectivas da Sociologia na educação básica. Rio de Janeiro: E-papers, 2012.
[1] Discente do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais – UFMS/CPNV. Bolsista de Iniciação à Docência – PIBID/ CAPES.
[2] Discente do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais – UFMS/CPNV. Bolsista de Iniciação à Docência – PIBID/ CAPES.
[3] Professor da UFMS/CPNV. Coordenador de Área do PIBID/Capes.